Por André Storck
Há certo tempo tenho me surpreendido
com o grande número de homens bons que se silenciam diante de decisões más e
até mesmo concordado com elas. De início, tentei disfarçar minha surpresa,
pensei que poderia ser tudo coisa da minha cabeça, talvez eu estivesse
criticando demais ou exigindo muito de pessoas que eu julgava boas, mas que não
seriam assim tão legais. Todavia, dia após dia me surpreendia novamente com um
novo “silêncio eloquente” de alguém aparentemente bondoso mas com seu silêncio e
omissão permitia que algo errado ocorresse.
Não pense o leitor que eu seja uma
pessoa 100% correta, é claro que não. Tenho meus defeitos, cometo falhas e
eventualmente também me silencio, mas o que tem me incomodado em particular é a
altíssima frequência com que tenho notado essa atitude nas pessoas. Talvez você
nunca tenha parado para observar, mas tenho certeza que se assustará quando
começar a contar quantas foram as vezes em que, desde as menores questões até nas
grandes decisões, vários homens que você conhece e sabe que são piedosos, se
calam e, com isso, permitem que o mal e o erro ocorram. A observação da
repetição desse mesmo comportamento rotineiramente não me deixa mentir, o fato
é: pessoas honestas, boas e inteligentes têm se silenciado diante de situações
más, desonestas e injustas.

A essa altura o leitor provavelmente
irá retorquir que desde de que o mundo é mundo muitos homens bons preferiram o
silêncio à lutar pelo que é certo. Mas o problema é maior agora e explico. Quando
eu era criança e quebrava um copo ou prato, por exemplo, minha mãe não me
punia, apenas pedia para eu ter mais cuidado. Todavia, se eu quebrasse, duas ou
mais coisas num mesmo dia, eu era repreendido e também punido porque muito provavelmente
algo estava errado comigo, a repetição do “acidente” estava a demonstrar a existência
de um problema: eu podia estar muito agitado, desatento, bagunceiro etc.
É aqui que chamo a atenção do meu
leitor: na repetição. Afirmo que há algo de errado no ar, há um problema porque
essa atitude omissiva das pessoas tem sido muito comum. A desculpa de “foi sem
querer” ou “não percebi” não cola mais. Imagine por exemplo que seu vizinho ao
sair de carro de manhã para ir ao trabalho esbarre no seu veículo estacionado
ao lado. Ele lhe pedirá desculpas, pois “foi um acidente” ninguém discordará,
todavia se isso ocorrer por duas ou três vezes na semana, existe um problema,
alguma deficiência e não mero acidente.
Homens bons e com postos de liderança
têm repetida e constantemente escolhido o silêncio ao invés de enfrentarem
determinadas questões ou pessoas, em prol de um bem maior. E em razão da reiteração
deste comportamento afirmo induvidosamente: sofrem de uma deficiência, por
lavarem de mais as mãos acabaram por perdê-las.
É por isso que, peço licença para lhes
propor a presente teoria. A teoria dos bundas de peru. Anatomicamente
falando, a bunda do peru tem duas características importantes que ajudarão a
elucidar a presente tese. Em primeiro lugar é uma parte do corpo que não é
possível visualizar, está escondida pelo enorme número de penas. Em segundo
lugar, também graças às penas, a parte traseira da ave é extremamente macia e
fofa como é possível constatar ao se observar a figura.
Numa análise superficial, acredito que nós
cristãos fomos inconscientemente contaminados pelos trejeitos
pós-modernos. Para os que não se lembram, chamamos de pós-modernidade o
conjunto dominante de pensamento e da condição sociocultural contemporânea. Uma
das características mais fortes do pós-modernismo é a veneração da pluralidade.
A “veneração do pluralismo” de pensamentos e opiniões é muito mais forte do que
o mero respeito. O respeito às diferentes formas de pensar a vida e o mundo já
havia sido anunciado pela modernidade1.
A pós-modernidade ensina que além do respeito, o diferente merece uma espécie
de veneração, pois você não apenas deve tolerar a opinião alheia, mas lhe é
vedado manifestar discordância, sob pena de se tornar um radicalista. Assim,
trocando em miúdos, na pós-modernidade você precisa ser uma bunda de peru,
precisamos desaparecer do espaço público e, em última instância, precisamos ser
“fofos” ao nunca discordar do outro.
Nesse contexto, foi incutido nas mentes
e corações dos homens pós-modernos que se alguém se manifesta contrariamente a
alguma opinião ou decisão, está sendo uma pessoa radical, impertinente e
intolerante. Quando há relação de autoridade entre os envolvidos a pecha
“rebelde” também é incluída.
Para que eventuais críticas ou
discordâncias possam ser apresentadas é indispensável que se faça com muito
“jeitinho” e fofura para não ferir o homem pós-moderno orgulhoso e
autossuficiente por excelência. Os homens bunda de peru acabam sendo o que eu
chamo de “metrossexuais de alma”, pois embora externamente não ostentem tanta
preocupação com a aparência, internamente são cheios de cuidados. Qualquer
palavra ou opinião em contrário (mesmo que com boas intenções) se não forem
meticulosamente cobertas por uma capa de simpatia, carinho, voz mansa e um
sorriso são automaticamente utilizados para classificar a pessoa que a profere
como persona non grata. A mensagem não passa por avaliação, somente
o mensageiro. Para aquele que fala poder ser realmente ouvido, ele precisa ser
um bunda de peru. A opinião contrária para ser aceita precisa estar coberta por
um manto de falsidade e de aparência para agradar o ouvinte.
Outro método muito comum para fazer com
que opiniões contrárias sejam aceitas é o locutor adotar um tom emocional,
citar exemplos tristes, falar com voz roca, chorar, ou – se tiver o dom – cantar
uma bela música antes e depois da crítica que for fazer. Ou seja, além de ser
um bunda de peru por ter que agradar o ouvinte acima de tudo, é importante
também fazer um glu-glu-glu um tanto quanto refinado.
Estamos perdendo a capacidade de avaliar e julgar abstratamente as
ideias. As palavras ditas não são ouvidas. O conteúdo não é julgado. É por isso
que observamos nas igrejas evangélicas o seguinte absurdo: nas igrejas em que o
pastor/líder é carismático e simpático há grande crescimento de membros, nas
outras igrejas em que as mesmas palavras do Evangelho são pregadas por um
pregador mais sério não há grande crescimento da membresia. Isso acontece
porque as pessoas não avaliam mais a palavra, mas o seu portador, o líder.
Aquele pastor que deixa o público mais confortável e que não lhe fere o ego. Daí
a característica indispensável à liderança pós-moderna: tornar-se uma bunda de
peru, pois as pessoas têm atendido ao carisma e não à Palavra da Salvação.
Não que seja ruim ou errado ser agradável e simpático, pelo contrário
devemos sim tratar o próximo com amor e respeito. Contudo, tratar com amor
exige que acima do carisma esteja a defesa intransigente do que é correto,
justo e Verdadeiro. A omissão e o silêncio constantes diante do mau para tentar
ser agradável e preservar-se é postura vil, egoísta, covarde e pecaminosa.
Percebam que não falo aqui contra a postura sábia e recomendada em
Provérbios de silenciar-se e refrear a boca. Abordo aqui a postura daqueles que
ocupando papel de liderança e muitas vezes pagos para combater o mau e propagar
a verdade se omitem e se calam. Não falo daqueles que sabiamente buscam um
momento e as palavras corretas, mas daqueles que exatamente nesses momentos
corretos se calam e desaparecem entre penas para manter a pose ou manter-se no
cargo.
Por fim, ser um bunda de peru e contentar-se
com os erros para fazer papel de homem bom e simpático é atitude pecaminosa.
Podemos extrair esse princípio bíblico que condena tanto a ação quanto a
omissão de Levíticos 5:1 que diz "Se alguém pecar porque, tendo sido
testemunha de algo que viu ou soube, não o declarou, sofrerá as consequências
da sua iniquidade." Ou seja, é pecado omitir-se quando se devia agir.
Portanto caros leitores, gostaria de
convidar a todos para deixarmos de sermos cristãos bundas de peru e resgatarmos
o nosso antigo ideal bíblico e protestante para, de fato, protestar contra os
pecados, equívocos e injustiça da nossa sociedade e das nossas igrejas. Pois
não fomos chamados para sermos pessoas legais, simpáticas e aprovadas pelos
outros, mas para sermos como Jesus e glorificar a Deus não nos conformando com
esse mundo, mas erguendo acima de tudo o pendão da verdade, abrindo mão, se
necessário, da nossa reputação entre os homens.
E você amigo, é um bunda de peru?
“A paz se possível, mas a verdade a
qualquer preço.” Martinho Lutero
“Se vocês pertencessem ao mundo, ele os
amaria como se fossem dele. Todavia, vocês não são do mundo, mas eu os escolhi,
tirando-os do mundo; por isso o mundo os odeia.” João 15:19
1 - Como por exemplo, a famosa frase
historicamente atribuída ao pensador moderno, Voltaire: Posso não concordar com
nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de
você dizê-las
Ótimo texto, André!! Vejo agora quantas vezes já fui um cristão omisso diante de sérias questões em prol do bem estar com a congregação. Que Deus nos livre dessa realidade e nos ajude a não sermos "bundas de peru"
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