EM TERRAS TUPINIQUINS QUEM TEM ATÉ 18 É REI
Por André Storck
É cômico notar como alguns cidadãos
sentados em suas cadeiras almofadadas, no alto de prédios na zona sul, em
ambientes climatizados e bebendo vinho importado deliram ao defender idéias que
seguem à risca a hipócrita agenda de alguns pensadores e instituições
internacionais. Esses intelectualóides acreditam piamente estar acima do bem e do mal com uma
visão "neutra" e amorosa do mundo além de se considerarem a elite intelectual da sociedade.
Me desculpem os leitores a acidez da abertura, tentei suavizar, mas é difícil maquiar a realidade. Muito dos ferrenhos opositores da redução da maioridade são militantes sensíveis das demandas das minorias, mas estão totalmente afastados da realidade da maioria da população, desconhecem o que de fato se passa nas ruas das periferias e nos rincões das cidades. São tão preocupados com as minorias que se tornaram insensíveis para com o sofrimento e a dor das massas.
Me desculpem os leitores a acidez da abertura, tentei suavizar, mas é difícil maquiar a realidade. Muito dos ferrenhos opositores da redução da maioridade são militantes sensíveis das demandas das minorias, mas estão totalmente afastados da realidade da maioria da população, desconhecem o que de fato se passa nas ruas das periferias e nos rincões das cidades. São tão preocupados com as minorias que se tornaram insensíveis para com o sofrimento e a dor das massas.
Enquanto cerca de 90% da população defende a redução da maioridade penal, vários desses intelectuais se posicionam contrariamente.
Há algum tempo uma dentista no Estado de
São Paulo foi queimada viva por dois adolescentes porque só tinha 30 reais no
bolso. Um jovem universitário foi assassinado por menores
mesmo sem reagir ao assalto. Um ciclista foi esfaqueado por um menor até a morte e, todos os dias, dezenas de pessoas morrem no
Brasil nas mãos de menores de idade: um casta social livre de punição, pois se presume de forma absoluta que são inculpáveis (é isso mesmo, a lei os considera insuscetíveis de culpa) e, assim não respondem por seus atos. Somente podem ser submetidos a medidas socioeducativas.
A onda intectualóide me assustou
durante a semana passada quando se levantou com um discurso de fundo
falsamente humanitário contra a redução da maioridade penal. Dizem que os menores não podem ser responsabilizados por seus crimes por não terem
ainda a plena capacidade cognitiva de um homem adulto. Ou ainda, que cadeia não
resolve os problemas da sociedade e nem serve para ressocializar o jovem
infrator; que os meninos batedores de carteira quando deixarem a prisão serão criminosos muito piores; que a
redução da maioridade será seletiva (apenas para os adolescentes pobres e
marginalizados). Argumentam ainda que a redução da maioridade retira o foco do
verdadeiro problema: a desigualdade e a exclusão social (tenho que ressaltar
que consigo contar nos dedos os intelectuais que realizam algum tipo de trabalho
social). E, por fim, sustentam que penas
mais pesadas não são a solução para a diminuição da criminalidade (mantra do
Direito Penal).
Não nego a seriedade das
preocupações escondidas por detrás dos argumentos acima, mas o problema aqui é a mudança
de foco do debate. O foco da discussão sobre a redução da maioridade deve ser a busca de critérios de justiça no seu aspecto retributivo, sim, o aspecto retributivo do Direito Penal nunca será apagado. Explico-me.
A existência de uma instituição
mecânica a qual chamamos de “Estado” é meramente artificial, e os “governos” são criados com o objetivo precípuo de
promover o que chamamos de justiça e manter o mínimo de paz e segurança social.
No Direito Penal, onde se situa a
atual discussão sobre a maioridade, existe o chamado “princípio da intervenção
mínima” o qual ensina que há bens de maior relevância que não seriam
devidamente resguardados pelas demais áreas do Direito e, assim, devem ser
protegidos pelo Estado da forma mais rígida possível que é exatamente por via
do Direito Penal.
Agora imaginemos a existência de
um critério absoluto que impeça o Estado de cumprir o seu papel precípuo
(promover a justiça) justamente com relação a esses bens de maior relevância,
os quais são protegidos pelo Direito Penal. Sim, esse critério existe e é chamado de
inimputabilidade penal absoluta, que alcança todos os homens e mulheres menores
de 18 anos. Esses cidadãos não sofrerão
a imposição de pena em caso de cometimento de crimes. Esse critério impeditivo da atuação penal do Estado se justifica diante da necessidade
de proteger indivíduos ainda em processo de formação intelectual, física e
emocional do sério trauma que é a imposição de uma punição.
Contudo, a escolha da idade a
partir da qual o legislador supõe existir maturidade suficiente do indivíduo
para receber pena é um critério político passível de mudanças, pois não
passa de uma ficção legal com o objetivo de proteger nossas crianças e
adolescentes de uma interferência estatal potencialmente destrutiva.
Há 60 anos, quando este critério
absoluto de contenção Estatal foi fixado em 18 anos pelo Código Penal Brasileiro, o
mundo era muito diferente. Praticamente tudo mudou de lá pra cá, veio a
democracia, a alfabetização das massas, melhores condições de vida, alimentação,
transportes, comunicação, informação, ataque à moralidade cristã, liberdade de
imprensa, liberdade (e depois libertinagem) sexual, queda do comunismo,
globalização, internet, celulares, camisinha, pílulas, drogas, rock, funk etc.
Não obstante todas essas profundas mudanças que transformaram radicalmente o homem do século XX e, principalmente, acelerou o ritmo de amadurecimento dos indivíduos, uma coisa permaneceu mais firme do que os antigos dogmas cristãos: a maioridade penal somente a partir dos 18 anos.
Não obstante todas essas profundas mudanças que transformaram radicalmente o homem do século XX e, principalmente, acelerou o ritmo de amadurecimento dos indivíduos, uma coisa permaneceu mais firme do que os antigos dogmas cristãos: a maioridade penal somente a partir dos 18 anos.
É nesse cenário que me posiciono
a favor da relativização da maioridade. Para tal eu poderia até usar de
argumentos do tipo: todos os partidários da manutenção da maioridade em 18
anos, só o são até ter algum ente querido violentado e/ou assassinado por um
menor de 17 anos. Mas esse tipo de argumento está fadado ao fracasso por seu
caráter apelativo. Nem vou me valer do argumento batido de que se jovens de 16
anos podem escolher o presidente, também poderiam responder por seus atos.
Prefiro argumentar em outro sentido:
o Estado está promovendo justiça para as famílias destruídas pelos atos de
menores de idade? Com a responsabilização pífia prevista no ECA o Estado está evitando novos crimes? Está ocorrendo a reabilitação?
Por outro lado, se o princípio absoluto é resguardar a nossa juventude eu pergunto: os demais jovens e adolescentes que estão sendo mortos por colegas da mesma idade, como as quatro adolescentes estupradas e mortas no Piauí (1) por outros adolescentes, não merecem a proteção e a justiça por parte do Estado? Os jovens recolhidos hoje sob a égide do ECA estão sendo tratados e recuperados?
Por outro lado, se o princípio absoluto é resguardar a nossa juventude eu pergunto: os demais jovens e adolescentes que estão sendo mortos por colegas da mesma idade, como as quatro adolescentes estupradas e mortas no Piauí (1) por outros adolescentes, não merecem a proteção e a justiça por parte do Estado? Os jovens recolhidos hoje sob a égide do ECA estão sendo tratados e recuperados?
Outro argumento contra a redução é que os jovens não possuem capacidade para responder por seus
atos. Ora, ainda que isso fosse verdade em alguns casos, questiona-se: poderíamos então punir menores de 18 anos que fossem diagnosticados por psicólogos e outros profissionais como capazes de
responder por seus atos? Entendemos que jovens de 16 e 17 anos são plenamente capazes de
discernir a realidade das coisas. Prova disso é o fato de que esses jovens cometem
tranquilamente os crimes mais terríveis justamente porque possuem discernimento suficiente para saber que não podem ser punidos
ou presos por muito tempo, o exemplo é o jovem que filmou o assassinato de sua namorada pouco antes de fazer 18 anos, sorrindo, pois sabia que não seria punido. (2).
Outro argumento débil é no
sentido de que cadeia não resolve. Por essa linha de raciocínio temos que parar
de prender imediatamente todos os cidadãos! É o fim da picada! Jovens de 18
anos são condenados à décadas de prisão enquanto os de 17 que comentem crimes
hediondos, destruindo lares inteiros ficam impunes. Se cadeia não resolve, porque a maioria dos defensores da não redução querem criminalizar a homofobia e encarcerar os fanáticos religiosos? Se cadeia não resolve e educação é a solução também não
deixem que prendam os mensaleiros, do que adianta prendê-los? Não
podemos prender políticos condenados por corrupção. Eles não serão
ressocializados e nem tratados nas cadeias nacionais, sairão de lá mais
bandidos ainda. Vejam só, de que adianta toda as ações da Polícia Federal, com todas aquelas prisões, o que
resolveu? Se o sistema penitenciário está falido, está falido para todos e não somente para os menores. A
solução para essa falência não é aumentar a maioridade para 50 anos.
Outros argumentam que a diminuição da maioridade penal causaria o caos no sistema penitenciário. O argumento é contraditório com o conjunto da ópera, pois esses mesmo alegam que somente 1% dos crimes são cometidos por jovens entre 16 e 18 anos.
![]() |
João Hélio: um dos muitos menores que não foram protegidos pelo Estado. Morto brutalmente aos 6 anos. |
Então me respondam queridos
leitores: o atual sistema de responsabilização penal do menor pelo ECA está funcionando? Os jovens infratores encaminhados
para internação têm sido restaurados? Não e não. Os jovens são recolhidos por no
máximo 3 anos e logo estão de volta para cometer mais crimes. O pior dos mundos
está ocorrendo, não há nem punição nem recuperação.
A responsabilização penal existente no Brasil, regida pelo ECA e que se aplica aos maiores de 12 anos é uma piada de mau gosto. Os jovens infratores literalmente racham de rir dela.
A responsabilização penal existente no Brasil, regida pelo ECA e que se aplica aos maiores de 12 anos é uma piada de mau gosto. Os jovens infratores literalmente racham de rir dela.
Então não me venham com essa
balela de que cadeia não resolve, porque esses centros de internação
compulsória para menores infratores resolvem menos ainda, porque além de não
recuperar, não promovem sequer o sentimento de justiça e segurança que o Estado
deveria trazer à sociedade e, principalmente, às famílias destruídas.
Agora vem o pior. Diante deste
cenário de total falta de punição para os menores, as forças policiais por todo
o país já dão o seu jeitinho. Quando são pegos em flagrante de práticas
delituosas os nossos menores de idade têm sido espancados, torturados e mortos
pelos policiais (quando não pela própria população), pois eles sabem que se não
fizerem justiça ali no momento do flagrante, o sistema não o fará depois. Ou
seja, o tiro está saindo pela culatra! Se o Estado não pune, a população e as forças policias voltam às priscas eras quando a justiça se fazia com as próprias mãos.
Ora, a educação é importante sim! A redução da desigualdade é importante também! MAS NÃO SÃO QUESTÕES EXCLUDENTES da necessidade de punição pelo crime. Uma coisa não exclui a outra. A redução da maioridade não significa que não devemos lutar pelo investimento em educação. Ocorre uma falácia quando acusam os defensores da redução de não olharem para esse lado do problema.
Ora, a educação é importante sim! A redução da desigualdade é importante também! MAS NÃO SÃO QUESTÕES EXCLUDENTES da necessidade de punição pelo crime. Uma coisa não exclui a outra. A redução da maioridade não significa que não devemos lutar pelo investimento em educação. Ocorre uma falácia quando acusam os defensores da redução de não olharem para esse lado do problema.
O critério de maioridade precisa ser relativizado por uma questão de saúde pública. Os adolescentes estão sendo torturados e
mortos “clandestinamente” pelas ruas do país porque existe um sistema que
impede o Estado de puni-los por seus crimes, de forma correta, respeitando o
devido processo legal, com ampla defesa e o contraditório.
Outro argumento, um tanto quanto down afirma que a redução da maioridade será seletiva, ou seja, apenas para jovens pobres e marginalizados.
Sinceramente, amigo leitor, então agora pelo risco de o sistema continuar a
punir principalmente os menores marginalizados eu vou proibir que o Estado puna todo e qualquer menor? No sistema atual os menores das classes mais
altas cometem os crimes mais horrendos (tipo queimar índios vivos ou espancar prostitutas nas ruas) e não podem ser punidos também. A justificativa para isso é: se diminuirmos a maioridade os menores pobres também serão presos! Pelas
madrugadas!
O problema da punição seletiva sempre existiu em qualquer sistema penal do mundo e a solução para ele não é tornar todos os cidadãos inimputáveis, impedindo que o Estado promova a justiça, mas atacar as causas da marginalização social. Novamente, confundem alhos com bugalhos, reduzir a maioridade ou relativizá-la (como defenderei logo abaixo) não significa que não devemos atacar as causas da desigualdade social. Uma questão não exclui a outra.
O problema da punição seletiva sempre existiu em qualquer sistema penal do mundo e a solução para ele não é tornar todos os cidadãos inimputáveis, impedindo que o Estado promova a justiça, mas atacar as causas da marginalização social. Novamente, confundem alhos com bugalhos, reduzir a maioridade ou relativizá-la (como defenderei logo abaixo) não significa que não devemos atacar as causas da desigualdade social. Uma questão não exclui a outra.
As cotas sociais e até mesmo
raciais entraram em vigor nas universidades brasileiras e vão durar pelo menos
por uma década, pois os defensores argumentam que embora não possam resolver
agora o cerne do problema, (que é o ensino básico público de péssima
qualidade), podem ajudar aqui e agora os jovens mais pobres a entrarem na
faculdade. Embora discorde das cotas do tipo raciais, creio que este argumento pode ser
aproveitado no debate da relativização da maioridade. Pois, embora não possamos resolver
neste momento o cerne do problema do envolvimento de adolescentes e jovens com
o crime (exclusão social, acesso a educação etc), podemos desde já ir promovendo a justiça evitando
que novas vítimas (inclusive menores de idade) sofram com a criminalidade, sejam mortos ou fiquem órfãos pela ação de outros menores. Assim o faremos ao relativizarmos a maioridade ou endurecermos as regras de responsabilidade penal dos menores previstas no ECA.
A presunção absoluta de
incapacidade penal antes da meia noite da véspera do aniversário de 18 anos é
uma norma burra. Como ocorre nos contos de fadas, até a meia noite o cidadão
pode tudo. A regra inflexível da maioridade aos 18 se impõe sobre os casos
concretos sem atentar para as suas peculiaridades e acaba por gerar injustiças.
A lei deveria permitir ao Judiciário o poder-dever de avaliar caso a caso a capacidade de o jovem responder pelo crime que comete, numa atividade de diálogo com peritos profissionais de várias áreas. A inimputabilidade até 18 anos deve ser relativizada, dando ao juiz a possibilidade de se lastrear em estudos técnicos realizados em concreto de forma individualizada com cada réu para apenas depois poder determinar a capacidade biopsíquica do agente e decidir se a inimputabilidade pela menoridade deve incidir ali ou não.
A lei deveria permitir ao Judiciário o poder-dever de avaliar caso a caso a capacidade de o jovem responder pelo crime que comete, numa atividade de diálogo com peritos profissionais de várias áreas. A inimputabilidade até 18 anos deve ser relativizada, dando ao juiz a possibilidade de se lastrear em estudos técnicos realizados em concreto de forma individualizada com cada réu para apenas depois poder determinar a capacidade biopsíquica do agente e decidir se a inimputabilidade pela menoridade deve incidir ali ou não.
Algo precisa ser feito, a situação é insustentável. Não basta apenas ser contra a redução da maioridade, e não propor outras soluções no campo do Direito Penal. É necessário, no mínimo, um endurecimento das normas de responsabilidade dos menores infratores previstas no ECA ou a relativização da maioridade penal para análise caso a caso conforme exposto acima.
Enquanto isso, na Argentina a maioridade é de 17
anos, na Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia 15 anos, na China, Alemanha e na Itália 14, na França 13, na Inglaterra 10 e na Escócia 8 anos. Mas em terras tupiniquins
quem tem até 18 é rei, ou melhor, está acima do rei porque pode matá-lo sem
ser punido.
(1) http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2015/05/quatro-adolescentes-sao-violentadas-em-castelo-do-piaui.html
(2)http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1424294-menor-mata-ex-namorada-filma-execucao-e-poe-imagens-na-internet.shtml
(1) http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2015/05/quatro-adolescentes-sao-violentadas-em-castelo-do-piaui.html
(2)http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1424294-menor-mata-ex-namorada-filma-execucao-e-poe-imagens-na-internet.shtml