BASE BÍBLICA: Gênesis 2-3
Poucos acontecimentos marcam
nossas vidas de forma que conseguimos
nos lembrar deles até a velhice. Se você
conversar com uma pessoa mais velha, ela
irá te contar várias histórias pelas quais
passou na vida, e você perceberá que
geralmente são histórias muito felizes ou
muito tristes. Isso acontece porque nossa
memória possui essa facilidade natural de
guardar acontecimentos que envolvem
fortes emoções. Pessoas que não conseguem
se lembrar de algo marcante em suas vidas
geralmente são consideradas doentes,
loucas ou traumatizadas.
Você acreditaria se eu te dissesse
que todos nós nascemos com uma
deficiência, com um vírus, com uma
espécie de loucura (Romanos 1:21), por
causa de um acontecimento terrível e
triste, que sequer nos lembramos de
como ocorreu? A história desse evento
precisa ser contada a nós como condição para que
possamos ser curados. Aí está a
importância da Bíblia, que, sendo a Palavra
de Deus, precisa ser anunciada para nos
iluminar o caminho.
Essa história é sobre a Queda. Um
acontecimento único e devastador para
todos os homens e para o restante da
criação também. Em razão desse
acontecimento, muitos seres humanos não
conseguem enxergá-lo nem o entender
por terem se tornado muito orgulhosos
para aceitar que erraram e caíram da
presença de Deus.
Deus criou a terra, o mar, toda a
natureza, animais, plantas, o Sol e demais
astros, tudo, inclusive nós, os seres
humanos. Ao terminar
sua criação, Deus reconheceu que tudo era
muito bom de acordo com o narrado em
Gênesis 1. O homem feito à imagem e
semelhança de Deus foi criado totalmente
livre, foi designado por Deus para governar
toda a criação, cultivar e guardar o
maravilhoso jardim (Gênesis 2), dar nome
aos animais e fazer tudo em plena alegria,
paz e comunhão com Deus. Mas a
perfeição desse estado inicial da criação foi
contaminada pelo pecado.
Da história quase todos sabem, mas
não custa repetir. Gênesis nos conta que
Deus criou todas as coisas, todo o
universo. Em especial fez um lindo jardim
com uma infinidade de plantas e árvores
frutíferas. No meio do jardim plantou Deus
duas árvores: a Árvore da Vida e a Árvore
do Conhecimento do Bem e do Mal. Deus
disse a Adão que de todas as árvores e
frutos do jardim poderia comer, exceto da
Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal,
e o alertou que se um dia comer dela
certamente morreria (Gênesis 2).
Adão, o primeiro homem,
representando ali toda a raça humana,
resolveu desobedecer ao seu amigo e Criador, traindo-lhe a confiança e
desejando ser como Deus. Você consegue
imaginar quão fácil seria guardar essa
tarefa? Imaginemos a enormidade de
frutos, espécies, tipos e gostos diferentes
que havia lá e lembremo-nos de que Adão
podia comer da própria Árvore da Vida, plantada no meio do jardim. Ora, mas não
se engane, pois o coração do homem é
facilmente corruptível. Bastou a
provocação do Diabo por meio de uma
serpente para o ser humano trair seu amigo e Criador, tomando o fruto da árvore e o
comendo, desejando assim ser igual a
Deus. Eis aí a Queda. A entrada do pecado na Criação. Tal como um filho que, após ter
ganhado da mãe dezenas e dezenas de
brinquedos dos mais belos e divertidos, acaba
roubando o brinquedo quebrado do vizinho, assim também o
primeiro homem preferiu a única fruta que
não podia diante da infinidade de
presentes que possuía ao seu redor.
Deus é totalmente bom, mas
também é totalmente justo e santo. Deus
não poderia deixar de lado a sua justiça e
santidade e permitir que um traidor,
usurpador, um pecador passasse
impunemente. Se Deus fizesse algo assim,
estaria deixando de ser justo, pois, sendo
Santo, Ele não pode tolerar o pecado.
A raça humana poderia ter sido
imediatamente exterminada. Se isso tivesse
ocorrido, a justiça teria sido feita
imediatamente. Mas Deus tinha um plano
em que seria justo e misericordioso ao
mesmo tempo.
O pecado nos contaminou. Somos
tão orgulhosos, egoístas e convencidos que
chegamos até a pensar que, se fossemos
nós (pessoalmente) que estivéssemos lá no
Éden, não teríamos tomado a mesma
decisão que Adão, isto é, não teríamos
desejado ser iguais a Deus e o traído. Que
engano! Nós estávamos lá, sim! Adão
representava cada um de nós e fez o que
qualquer um de nós também faria.
Lá no fundo, quando o homem
começa a pensar honestamente, com a
ajuda da graça de Deus que afasta nossa
soberba (João 16:8), todo ser humano
acaba percebendo que faria igual a Adão.
Afinal, olhando nossa vida hoje, não é raro
fazermos coisas erradas por muito menos.
A Queda ocorreu de uma forma
muito mais séria do que inicialmente
imaginamos. A Queda do homem resultou
não somente na morte física que alcança
todos os homens mais cedo ou mais tarde,
mas também resultou na chamada morte
espiritual.
Com a morte espiritual os olhos do
homem foram cegados, e o seu coração foi
inclinado para fazer o mal. Antes da Queda
o homem poderia fazer o bem e o mal,
pois foi criado livre. Depois da Queda o
homem só faz o mal, pois a sua motivação
está sempre longe de Deus. Sua vontade e
desejo é sempre pelo errado, para as vontades da carne, por aquilo que desagrada a Deus.
Mesmo quando faz algo exteriormente
bom, a motivação não é mais a glória de
Deus, mas sim a auto-satisfação e, por isso, é considerado mal.
Assim nascemos, com essa mancha,
com este vírus mortífero da Queda, caímos de uma situação de convivência plena com nosso Criador para um plano inferior de separação e pecado. Não
fazemos mais o bem, e não buscamos mais
a Deus. (Romanos 3). Nosso “deus”, após a
Queda, é nosso umbigo. É interessante
notar que as crianças, desde pequenas, já
possuem inclinação para o pecado (Salmo
51), desejando e brigando para pegar o
brinquedo da outra, desobedecendo às
ordens dos pais, mentindo para esconder
suas bagunças e não serem punidas. Quem
ensinou isso às crianças, que muitas vezes
nem aprenderam ainda a falar?
Após a entrada do pecado todas as áreas da vida foram contaminadas. O trabalho
passou a ser penoso, a mulher passou a
dar à luz com dores, os animais passaram a
atacar e devorar uns aos outros, o homem
passou a destruir a natureza, e a natureza
com catástrofes destrói o homem, doenças
físicas e mentais nos vitimam (1 Coríntios
11:30), e enfim a morte física vem para
todos os homens.
Muitos podem questionar: como é
possível que ninguém mais faça o bem?
Como é que só fazemos o mal? E as obras
boas e de caridade que vemos todos os
dias? A resposta para essas dúvidas está na
morte espiritual. Embora reste em nós
uma pequena luz que nos faz saber em
parte o que é certo e errado na sociedade,
a Queda nos separou radicalmente de
Deus de forma que fazemos tudo para nós
mesmos, e isso não é bom e agradável
para Deus. Explico: todas as nossas ações
possuem uma motivação. Mesmo que você
não saiba qual é, ela existe. Após a entrada
do pecado, a nossa
motivação última para todas as coisas que
fazemos está em nós mesmos, seja para
nos sentirmos melhor, seja para cumprir
um dever que achamos ter – enfim, tudo
gira ao redor do “eu”. Nada mais é feito
para honra e glória de Deus tal como
deveria ser. Podemos dar como exemplo
aquela pessoa que faz caridade e doação
aos pobres, mas, quando questionada
sobre o motivo daquilo, responde que faz
porque acha certo e, assim, se sente mais
feliz. Percebam que, embora seja um bom
ato por fora, o intuito final do coração é
satisfazer uma necessidade de se sentir
feliz e aliviado – o objetivo não é a glória
de Deus.
Foi o pecado de Adão e Eva que os
colocou, “e aos seus descendentes (toda
humanidade), sob o jugo do pecado e da
culpa, de modo que eles e todos os seres
humanos passaram a sentir vergonha e
medo diante de Deus.”
Assim, todas as áreas da vida foram
contaminadas como foi dito acima, não
somente as áreas naturais, mas também as
instituições sociais. Os relacionamentos
entre os seres humanos passaram a ser
cheio de atritos, contendas e rixas; o
casamento passou a gerar também
sofrimentos e discórdias; o sexo passou a
ser buscado como instrumento de prazer,
sem responsabilidade, fora do
compromisso de amor mútuo do
casamento; os governos e sistemas
políticos foram contaminados pela injustiça
e corrupção e as artes (música, cinema,
entre outras) passaram a servir como
propagadores da vontade de pecado que
existe no coração do homem. Por causa da
Queda, em qualquer canto do universo
que você olhar ali estará o pecado
contaminando como um vírus a criação,
mesmo dentro da igreja você pode e vai
encontrar pessoas fazendo coisas erradas,
isso acontece em razão do pecado, que
não é parte da vontade de Deus.
Duas lições são de fundamental
importância para encerrarmos este
capítulo.
Em primeiro lugar, a entrada do
pecado pela Queda não anulou a criação
originalmente boa de Deus. Ou seja, as
coisas criadas por Deus continuam sendo
boas em sua essência. Por exemplo: apesar
de existir a prostituição, o sexo continua
sendo algo bom criado por Deus para ser
usufruído no casamento. A existência de
canções violentas e apelativas não faz com
que músicas belas não possam ser usadas
para alegrar nosso dia a dia dentro e fora da igreja. A existência
do orgulho e egoísmo que geram brigas
entre família e amigos não transforma os
relacionamentos em algo ruim. A
existência de algumas igrejas e pastores
que só querem o dinheiro dos fiéis não
impede a existência de igrejas e pastores
sérios e comprometidos com Deus.
Nesse sentido, o autor Albert
Wolters diz que “o pecado é uma invasão
alienígena (que vem de fora) na boa
criação de Deus [...] ele não foi planejado
para pertencer à criação.”
Em segundo lugar, sabendo que o
pecado é algo de fora e que contamina a
nós e a toda a criação, Deus em seu infinito
amor e misericórdia preparou um plano de salvação do homem e de toda a natureza
criada.
Conforme veremos adiante, Deus
enviou seu próprio filho, Jesus Cristo, para
sofrer como homem todas as dores e
receber a punição e o castigo que nós
deveríamos ter recebido.
Dessa forma, com o sacrifício de
Jesus, que satisfaz plenamente a justiça de
Deus, é possível ao homem voltar a
agradar a Deus, relacionar-se com Ele e
fazer o que é bom. Embora, ainda
continuemos a errar e pecar, depois de
sermos resgatado por Jesus, nós
possuímos novamente a habilidade de
fazer o que é certo, pois fazemos tudo em
Cristo e para a Glória de Deus (2 Timóteo
3:16). Cristo inaugurou a obra de
restauração depois do estrago da Queda,
reconciliando o homem e todas as demais
coisas com Deus (Colossenses 1:13-23).
Jesus é o único caminho para tal
reconciliação.
“Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho,
e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai,
senão por mim”. João 14:6.
Todas as demais áreas da vida são
salvas em Cristo. Relacionamentos podem
ser curados com base no amor e perdão.
Canções não pecaminosas podem ser
escritas, tocadas e cantadas sobre a vida, o
amor e as emoções. A natureza, embora
poluída e perigosa, ainda é bela e pode ser
aproveitada para lazer, sustento e alegria
com o devido cuidado sustentável, sendo
tudo feito com o propósito e motivação no
coração de glorificar a Deus em Cristo
Jesus, e não para atender às necessidades
e paixões do próprio coração humano
contaminado pela Queda.
Veremos que com a volta de Cristo
tudo será totalmente restaurado à
perfeição que era no início.
Por enquanto,
nós que por um lado reconhecemos esse
terrível acontecimento da Queda (ou seja,
reconhecemos que somos por natureza
pecadores, como nos ensina Efésios 2),
mas que, por outro lado, fomos alcançados
pela Palavra de Deus e, assim, pela
salvação em Cristo mediante a fé,
podemos dar início ao trabalho de
redenção em cada área de nossa vida,
dando graças a Deus pela salvação de
nossas almas e glória a Deus por cada
resultado alcançado.
Sem conhecermos e entendermos
o terrível acontecimento da Queda e as
consequências devastadoras que ela gerou
sobre nós, humanos, e também sobre toda
a criação, com a entrada do pecado no
mundo, nunca seremos capazes de
compreender a redenção providenciada
por Cristo e a nossa desesperada condição,
na qual precisamos da salvação dele.
“Porque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito,
para que todo aquele que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna”. João
3:16.