Por Yuri Fernandes
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Jogos Infantis. Pieter Bruegel 1560, Holanda. |
500 anos da reforma. Uma data mais do que especial para todos aqueles
que vivem hoje uma fé bíblica e verdadeira, um verdadeiro marco na igreja de
Cristo. Mas, enfim, o que celebramos nessa data da Reforma?
É bastante claro que celebramos o Sola
Scriptura como uma forma de lembrar do fato de que agora nós temos livre acesso
à palavra de Deus. O Sola Fide, o Sola Gratia e o Solus Cristhus, como a grande expressão dessa verdade nos lembrando
que a salvação é apenas pela graça, mediante a fé somente em Cristo. Porém um
ponto importante é perceber que uma das grandes comemorações que precisamos
fazer na Reforma é o resultado de tudo, isto é, uma vida firmada na palavra e
com uma segura salvação em Cristo, que resulta em Soli Deo gloria.
Comemorar a reforma é lembrar que a vida do crente deve ser um sinal
vivo e permanente da glória de Deus, não apenas dentro da igreja, mas em todas
as áreas da vida. Quando pensamos na Reforma, nossa mente logo ecoa alguns nomes:
Lutero, Calvino, Farel, Zuínglio. Mas qual foi o foco do trabalho desses
homens? Eles libertaram e ensinaram a palavra de Deus ao povo, para que o povo,
munido desse alimento espiritual, pudesse viver para a glória de Deus.
Nesse sentido, comemorar a Reforma não é simplesmente lembrar a vida de
Calvino, Lutero, Farel e Zuínglio – homens de Deus, sem dúvidas –, mas também
se lembrar das pessoas anônimas que tocadas por esses homens aceitaram o
desafio de viver somente para a glória de Deus. Homens que se valeram dos meios
técnicos da época – a prensa gráfica – para eternizar as palavras desses
gigantes. Homens que trabalhavam glorificando a Deus e partilhando essas boas
novas com seus amigos: sapateiros, camponeses, vendedores... Homens que
desafiaram as heresias de sua época e pagaram um preço de sangue por isso. Que
o digam os huguenotes franceses, que foram massacrados na noite de São
Bartolomeu: homens do qual o mundo não foi digno.
Comemorar a Reforma é comemorar o fato de que ela continuou. Houve os
puritanos, que mudaram a face da Inglaterra e construíram a nação que hoje
chamamos Estados Unidos da América. Mais uma vez diversos nomes surgem em nossa
mente: Owen, Bunyan, Baxter. E novamente temos uma série de homens que,
inspirados pelo Cristo pregado por eles, provocaram uma revolução no mundo.
Revolução que não foi apenas de forma metafórica: o que seria da democracia no
mundo sem a Revolução Inglesa?
Comemorar a Reforma é também comemorar os grandes avivamentos. É
comemorar o fato de que homens como Edwards, Whitefield, Wesley e Spurgeon
pregaram avidamente para o povo, e por meio da ação do Espírito Santo esse
mesmo povo decidiu viver para a glória de Deus e transformar aquelas gerações.
Comemorar a Reforma é também comemorar o despertar missionário do século
XIX. É comemorar o fato de que homens como Willian Carey, Hudson Taylor e
Simonton tinham o grande desejo de ver essa glória de Deus vivenciada em toda Terra.
Assim, pela pregação desses homens, podemos ver que hoje existem pessoas comuns
que vivem para a glória de Deus em vários cantos do mundo.
É nessa perspectiva que olhamos para a Reforma e vemos que, embora
celebremos e lembremos o nome de grandes pregadores e teólogos, a Reforma não é
sobre eles. É primeiramente sobre o Deus que eles pregam. Mas é também sobre
aqueles que descobrindo o Deus desses homens são motivados pelo Espírito Santo
a uma vida que seja para a glória de Deus: na igreja e em todas as outras áreas
da vida, aqui e em todos os cantos da Terra.
A Reforma é então a vitória da vocação leiga diante da doutrina católica
do sacerdócio da igreja: a vitória da Reforma é o sacerdócio de todos os crentes.
Todos nós somos chamados a glorificar a Deus por nossas múltiplas vocações.
Todos nós somos chamados a proclamar a virtude daquele que nos tirou das trevas
para sua maravilhosa luz (1 Pe 2:9).
A Reforma é a proclamação de uma vida
genuinamente cristã no mundo, em contraste com o monasticismo medieval. É por
isso que Bonhoeffer cita o exemplo de Lutero:
O caminho de Lutero para
fora do convento e de volta ao mundo constitui o ataque mais incisivo que o
mundo sofreu desde os tempos da primeira Igreja. A renúncia do monge ao mundo é
brincadeira comparada à renúncia que o mundo experimentou por parte daquele que
a ele regressara. O ataque agora era frontal; o discipulado de Jesus passaria a
ser vivido no seio do mundo. Aquilo que, em circunstâncias especiais e com as
facilidades da vida monástica, era praticado como realização especial passava
agora a ser algo necessário, ordenado a cada cristão no mundo. A obediência
perfeita ao mandamento de Cristo deveria acontecer na vida profissional de
todos os dias. Assim se aprofundou de forma imprevisível o conflito entre a
vida do cristão e a do mundo. O cristão atacava o mundo de perto; era uma luta
corpo a corpo. (BONHOEFFER, 2004, p 13.).
Isso nos leva a refletir sobre o que então significa ser reformado no
mundo de hoje. Talvez tenhamos esquecido essa grande verdade, que é o desafio
de viver para a glória de Deus no dia a dia, enquanto trabalhamos e proclamamos
a Palavra. É por isso que concordo que precisamos de mais pregadores que, de
certa forma, sejam como Calvino, Lutero, Spurgeon e Edwards. Quando tivermos
pregadores como eles, teremos também leigos como aqueles de suas épocas: homens
que vivam para a glória de Deus, que preguem o evangelho, que proclamem a Deus
com suas obras, que vivam com os olhos na eternidade.
Referências:
BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. 8ª ed. Sinodal. 2004.
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